terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

TEATRO NÃO É BOMBOM


           Em 1998, em Belo Horizonte, durante o Encontro Mundial das Artes Cênicas  ECUM, tomei conhecimento, através da palestra da profesora Leni de Freitas, do processo de rigorosa construção do romance AVALOVARA de Osman Lins, apoiada também, no rigor de outra construção, o poema latino de cinco palavras, cada qual composta de cinco letras: SATOR, AREPO, TENET, OPERA, ROTAS. O poema é apresentado com as palabras sobrepostas umas as outras formando um quadrado de 5x5, com vinte e cinco quadrados menores, cada um contendo uma das letra daquelas palabras, todas  palindrômicas, ou seja: que podem ser lidas da direita para a esquerda, da esquerda para a direita, de cima para baixo e de baixo para cima, mantendo sempre o mesmo sentido “O lavrador sustem cuidadosamente a charrua nos sulcos” ou, “O lavrador sustem cuidadosamente o mundo em sua órbita”. Criador e criação é dimensão humana e dimensão Divina.
          Partindo da estrutura deste quadrado e sobrepondo a ele o traçado de uma espiral que vai tocando sucesivamente as letra, e cada uma destas correspondendo a uma linha da narrativa do romance, num total de oito narrativas, Osman Lins constroi sua ficção multefacetada, dentro de um esquema rigoroso e fascinante para o leitor.
          Desde então venho estudando as estruturas, tanto as existentes na naturesa quanto as urdidas pela criatividade humana, como no caso da obra de Osman Lins, na tentativa de responder as questões nascidas durante aquele evento na capital mineira: É possível também a construção cênica se apoiar em estruturas rigorosas pré-existentes, neste caso específico, na estrutura do poema SATOR? Ou:  é possível uma cena palindrômica, digo: reversa e simultânea, que tenta refletir em si, na maneira como se estrutura, a ordem e a desordem existente no mundo? Como utilizar estas estruturas e seus trajetos mágicos para narrar no teatro?
Entendo que esta questão, sobre a maneira de narrar, é a questão fundamental da cena atual. Como construir, para o público de hoje, narrativas cênicas que possam realmente, instaurar no teatro o não convencional? A encenação do Piollin Grupo de Teatro  tenta dialogar  com as proposituras narrativas osmanianas, tentando instaurar uma cena também rigorosa, apoiada simultaneamente na poesia da palavra e do corpo em ação.
             Oito atores trabalham sobre o, agora tabuleiro, do poema SATOR/ROTAS, seus trajetos simultâneos e reversos. Uma narrativa circular e fragmentada onde as partes se misturam para compor uma unidade, como num retábulo.

Parafraseando Osman Lins podemos dizer "Teatro não é bombom que se suga displicentemente."

Luiz Carlos Vasconcelos
Diretor do Retábulo

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