segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Um pouco sobre RETÁBULO por Vitória Lima



A peça é um trabalho de filigrana.
Cada detalhe é pensado. Cada cena é um quadro. É bom ver Soia, Nanego, Buda, Servilio e Everaldo em
cena de novo. É como um coro afinado. E tem um piano horizontal em cena que é um arraso! Misto de instrumento de corda e percussão. A Suzy está ótima também. E tem a Ingrid, também ótima.
É um atrablho artesanal, e como diz o próprio LUiz Carlos, é um trabalho em processo, em construção. Ele é um mago que constroi cada cena com as minúncias de uma bordadeira da Ilha da Madeira, ou uma
rendeira do Nordeste.
Vi e voltarei.
Não fui a Zeca. Não dava para ver mais nada e de natureza tão diferente, depois daquele espetáculo. Vim para casa pensar, remoer.
Ruminar. Quem sabe eu escrevo alguma coisa depois.

Vitória Lima
Professora de Letras UEPB
Poerisa e Fundadora do Bloco Murisocas do Miramar

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Retábulo, do Piollin, dá aula de mise en-scène por Heitor Augusto

Falar de teatro neste blog? Geralmente, não, mas a peça Retábulo, que está em cartaz neste fim de semana aqui em Natal, merece, sim, que o Urso de Lata largue o cinema e vá para o tablado, ao menos por um post.

A direção é de Luiz Carlos Vasconcelos, palhaço de formação e ator que vai e volta ao cinema. O texto é baseado num livro de Osman Lins, Retábulo de Santa Joana Carolina. A interpretação – além da construção criativa – é do Piollin, trupe paraibana tradicional que tem alguns nomes com passagens marcantes pelo cinema (por exemplo, Everaldo Pontes, de SuperBarroco, e Nanego Lira, de O Grão).

O enredo nos traz a trajetória de uma mulher comum, do povo, Joana. Seguimos três gerações em sua família, com os mesmos atores e atrizes interpretando diversas personagens, com suaves transições de um para outro. Em última instância, extensões de um só personagem.

Fábula interessante, mas infinitamente inferior à arquitetura do texto e à mise-en-scène, características que justificam este comentário sobre Retábulo. Joana pouco fala, sua história é contada por quem está ao seu redor, recurso que me fez lembrar muito o esforço de polifonia do filme O Sol do Meio Dia. Na peça, não há um responsável único pelo discurso: todos que narram são determinantes para o andamento da vida de Joana, nossa heroína.

Fala-se muito, aliás. Mas movimenta-se muito também. Apesar de o espaço físico ser limitado ao tablado, o movimento em cena dos atores é continuo. Cada curva, rabeira, pedaço de madeira em forma de mala de viagem ou bambus espalhados pelos cantos são elementos cênicos. Seria muito difícil transformar Retábulo em filme: como estabelecer uma relação ator-câmera quando a interpretação é contínua e o corpo transborda a ausência de cenário? Jogo duro!

Tomando como exemplo os excertos do texto de Osman Lins presentes em Retábulo, parece ser uma experiência rígida a de ler Retábulo de Santa Joana Carolina – há um pouco da marcação musico-poética de João Cabral de Melo Neto. Mas, assistir a encenação é, digamos, oxigenar as vistas do que se pode fazer em termos de mise-en-scène, mesmo que, nesse caso, seja teatro, não cinema.

Em tempo 1: quem ficou curioso – e, por acaso, também está em Natal –, Retábulo fica em cartaz até este domingo (12/12), às 19 e 21h, no Barracão dos Clowns (Av. Amintas Barros, 4673, Nova Descoberta). R$10 (inteira) e R$5 (meia).

Em tempo 2: o começo do Piollin Grupo de Teatro data de 1976, com a montagem de Aborto, dirigida por... Luiz Carlos Vasconcelos. A cronologia da trupe pode ser conhecida aqui.

Em tempo 3: você sabe o que significa “retábulo”? Nosso amigo que tudo sabe sobre língua portuguesa vem ao nosso socorro, como não! “sm (cast retablo) 1 Trabalho de arquitetura, de pedra ou madeira, com lavores na parte posterior do altar, e em que se representa qualquer motivo religioso. 2 Painel ou quadro que decora um altar. 3 Painel.”

Heitor Augusto
Réporter e crítico.
Escreve para Cineclick
http://ursodelata.blogspot.com/search?updated-max=2010-12-28T11:06:00-08:00&max-results=7

Retábulo e as surpresas do novo por Aline Cruz

Foto e arte: Ricardo Peixoto


            Era para ser uma segunda como qualquer outra, mais um dia de muito trabalho e cansaço vindo do fim de semana. Foi quando soube que Retábulo, espetáculo do Grupo de Teatro Piolin, de João Pessoa, estava em cartaz no Teatro Vila Velha. Ouvi muitos elogios sobre a peça, então decidi assisti-la, na segunda mesmo. Na chegada, notei que o público já enchia a entrada do teatro. Segunda badalada.
            
Já dentro do Vila, a primeira surpresa da noite. Entram Caetano e sua namorada, a argentina Natália; eles vieram assistir Retábulo. Eu gelei. E óbvio que fui puxar conversa com o ídolo. Entrei pra assistir o espetáculo achando que não ia tirar Caetano da cabeça (e ele estava sentado lá atrás, discreto). Achei que ia ficar admirada por Caê a noite toda e não teria o que escrever sobre a peça.
                

Engano, ledo engano.

             Quando Retábulo começou, hipnotizei-me com os sons, com o texto espetacular, com o correr da trama, que envolvia a platéia cada vez mais profundamente dentro da história de Joana Carolina, a moça a quem foram atribuídos vários milagres. Conhecemos diversas Joanas, a jovem, a anciã, todas corajosas e sofredoras, dispostas a tudo por seus filhos e pelo bem das pessoas ao seu redor. De repente eu nem lembrava mais do ídolo sentado no fundo da sala principal (que estava cheia, numa segunda!). O barulho do piano sombrio (mais tarde descobri que era um piano antigo, modificado pelo grupo), das batidas dos pés dos atores, do coro constante que ora simulava o eco, ora lembrava lamentos, me fez quase não piscar os olhos. Engraçado foi que, quando a peça acabou (eu não vou contar o final), um grito ecoou pela sala e eu, paralisada, bati palma de boca aberta. Poucos espetáculos fizeram isso comigo.
             
Afinal, o que é um retábulo? É uma construção de madeira, que fica por trás ou acima do altar, que geralmente conta a história de santos e outras mensagens religiosas. Neste retábulo, a santa é Joana Carolina, que, por sua vez, faz parte da narrativa criada por Osman Lins no livro Nove Novena. O espetáculo tem a direção do ator Luiz Carlos Vasconcelos. Quem topou (eu topei, claro) ainda participou de um debate no final da peça, com direito a matar todas as nossas curiosidades. Os atores dizem que "Retábulo" ainda está em construção: para mim, que esqueci do Caê, enquanto a assistia, está completa.


Aline Cruz

A beleza do Retábulo por Ivana Moura

Foto: Ivana Moura


                   Luiz Carlos Vasconcelos, depois da estreia da peça Retábulo, na sede do Teatro Piollin, disse que o espetáculo não está pronto. Que muitos assombros e surpresas vão surgir do corpo dos atores nos próximos meses da temporada que iniciou nesta quinta-feira em João Pessoa, Paraíba, e segue até março. Se essa montagem já expõe sinais de arrebatamento, imagine quando for inflada de beleza no laboratório de Vasconcelos?! São apostas de que consiga se igualar ou superar em pulsação e vivacidade a encenação emblemática do grupo, Vau da Sarapalha (do texto de Guimarães Rosa), que desde que foi lançada, em 1992, seduziu plateias brasileiras e de outros países.
                  O texto é uma prosa experimental de Osman Lins, autor também do romance Avalovara e de Lisbela e o Prisioneiro (popularizado por Guel Arraes no cinema e na TV), entre outras preciosidades. Retábulo de Santa Joana Carolina, uma das narrativas do livro Nove, Novena, foi publicado em 1966, sob os aplausos dos críticos, pasmados com a inovação poética do escritor pernambucano. Foi a guinada na carreira de Osman Lins. Na ficção, Osman homenageia sua avó paterna, sacralizando sua trajetória de dignidade, generosidade e bondade.
                  No palco, o encenador retirou o aspecto de santificação e investiu na dureza do trajeto humano, de uma mulher do povo, assaltada por perdas, invejas e traições. O grupo paraibano, que tem uma atuação voltada para a formulação de novas linguagens cênicas, arrisca mais uma vez. Forma e conteúdo trilham num caminho radical. Para isso, Luiz Carlos Vasconcelos lançou mão de outro procedimento osmaniano, o do romance Avalovara. Em Avalovara, o escritor concebe a narrativa a partir de um palíndromo latino (Sator ArepoTenet Opera Rotas), que quer dizer: “O lavrador mantém cuidadosamente a charrua nos sulcos”. Ou ainda: “O Lavrador sustém cuidadosamente o mundo em sua órbita”.
                  Esse artifício geométrico está no palco nas 25 casas (quadrados) desenhados no chão que compõem o tabuleiro e são milimetricamente ocupadas pelos atores no desenvolvimento dos 12 mistérios. Nessa intenção de uma cena aperspectiva, o foco narrativo é multiplicado no seu descentramento, a história é contada de forma descontínua e fragmentada. Nisso reside sua força, numa forma que inquieta e exige uma postura ativa do espectador, que poderá se incomodar e perder uma ou outra coisa dessa fábula, devido a agilidade narrativa, ou cruzamento de episódios. Ou na passagem de personagens, interpretados por mais de um ator. “Osman dialoga com a cena contemporânea, do pós-dramático e tudo isso e nos coloca esse desafio”, comemora um entusiasmado Luiz Carlos Vasconcelos.
Retábulo vai crescer muito na cena. “Posso levar cada mistério a um delírio que ainda não está posto”, promete o diretor. Ele, mais do qualquer espectador que assistiu ao espetáculo sabe do processo inacabado que vai sendo construído. O corpo e voz do elenco que miram a precisão; o coro que busca uma ligadura para se transformar num só corpo mais harmônico. As imagens, que já guardam uma beleza rara na composição coreográfica, na rápida movimentação, anseiam pela perfeição ou sua proximidade. O cuidado estético; e o ator como cocriador de uma poética anuncia que vai cutucar esse público sedente por experiências mais radicais.
                        A música executada ao vivo apregoa que vai vestir esse corpo do ator e abismar ainda mais essa plateia em sua sensibilidade. O cenário, com tronco de bambu guarda segredos que serão reveladas aos poucos, a cada nova sessão.
                        O elenco, formado por Buda Lira, Everaldo Pontes, Ingrid Trigueiro, Luana Lima, Nanego Lira, Servilio de Holanda, Soia Lira e Suzy Lopes, mostra a grandeza do talento do Piollim, e muito mais uma entrega que vai explodir em pequenos movimentos e numa fala para dar um nó na cabeça de quem acha que teatro pode ser muito mais. Vasconcelos parodia Osman Lins e avisa “teatro não é bombom que se suga displicentemente”. Teatro é uma experiência inigualável e inesquecível para mergulhar no presente. Retábulo mostra isso muito bem. Parabéns Piollim, Luiz Carlos Vasconcelos, seu elenco e seu grupo por acreditar na arte.
Voltaremos a falar de Retábulo. Ainda há muito que dizer.

Ivana Moura
Jornalista Pernambucana
Editora Diário de Pernambuco
http://www.satisfeitayolanda.com.br/blog/page/2/

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

“A palavra resplandece como iluminura do que se foi”


                         Quadros cênicos. Movimentos cíclicos marcadores de tempo. Ritmo hipnótico e variado. Surgem sensações adversas instigadas por uma dramaturgia que tenciona deixar de ser contemplativa. Retábulo, a nova obra do Piollin Grupo de Teatro, investe em jogos de semiótica que aliam cena e texto.
                        Espero construir um pensamento a partir do que eu senti ao invés de fazer uma crítica analítica, que detalha um dignóstico. Detenho-me tão somente aos elementos usados na construção da encenação, enquanto códigos de um processo que fala por si só. Leio essa recente construção da Piollin a partir os elementos que mais me afetaram os sentidos e me provocaram uma experiência de pensamento.
Verso e reverso. Sem sombra de dúvidas, a dramaturgia e a encenação são resultados de um trabalho similar ao de um ourives. Tomar um texto denso, uma narrativa literária, transpor em cena é um ofício que requer ler imagens sentindo-as, transformando palavras em atos. Isso é estrutural. Heidegger já indicava que o caráter da arte (pensamento, sentido) está para além do suporte material (a pintura pré-existe a tinta). Perceber sentimentos e motivações na literatura faz parte da experiência de ler, enquanto transpor cenicamente essa experiência da leitura faz parte de um exercício de interpretação de uma experiência, traduzindo-a para outro suporte. São elementos da encenação, notavelmente os quadros cênicos (quase imagens fotográficas), que revelam intenções de mostrar (ou ver) o invisível. O resultado de cada quadro cênico, completo na forma, com os atores, adereços cenográficos e iluminação, revela a necessidade quase homérica de traduzir o sensível no palco. Assim, parece-me que Luiz Carlos Vasconcelos lapida a cena com os atores, estudando a respiração dos corpos com a velocidade da iluminação cênica, realizando um teatro tão próximo de características das artes visuais. E esse método flerta com genialidade do concretismo. Os momentos mais evidentes dessa interdisciplinaridade artística são fotografias, quadros congelados de instantes cênicos, ou ainda na explícita construção de uma instalação de blocos (malas em formato de paralelepípedos) que desenha uma cenografia, motivando uma nova percepção sobre o espaço. Nesse sentido, percebo nessa montagem do Piollin Grupo de Teatro, assim como no seu conterrâneo-caçula, o Coletivo Alfenim, que a criação cênica na Paraíba caminha cada vez mais para a incorporação de elementos das artes visuais, com evidente intervenção estética da arte contemporânea, resultando formas artísticas próximas àquelas conhecidas como interdisciplinares. Isso quer dizer que as soluções elaboradas na criação cênica propõem uma relação de interação e intercâmbio de conceitos (e métodos) de artes que se diferenciaram com a modernidade (teatro, artes visuais, cinema, música, arquitetura, esta última que se resolve nas artes cênicas a partir da cenografia).
                        Retábulo também é um convite à experiência de um tempo diferente. Afirmei no início do texto algo que aparentemente pode soar paradoxal: o espetáculo é hipnótico e variado. Certamente, os deslocamentos e o coro dos atores na cena, aliados à sonoplastia multiinstrumental, remetem aos movimentos cíclicos e circulares, com o início similar ao fim, como em uma freqüência que instantaneamente é rompida para dar lugar a uma nova série de movimentos cíclicos e circulares. É variado dentro dessa perspectiva do ir e vir, e acredito que isso guarda algo de hipnótico no espetáculo. E, embora o espectador se perceba envolvido à pura contemplação no meio da dramaturgia, ainda surgem os despertares para outros planos e realidades, como um termômetro da consciência sobre a ficção.
O coro enquanto “personagem coletiva”, ou elemento dialógico da cena, pode ser repensado. É uma solução formidável quando o ritmo, o tom e a clareza da fala são homogêneos entre os oradores. É um risco gigantesco quando executado em um tablado de madeira com o eco das batidas dos pés do atores. Esse elemento, dentro da proposta narrativa e dramática do Retábulo, pode suscitar uma revisão moderna do gênero drama. Vamos ver.
                        Por fim, comentava com o amigo Daniel Araújo, que Retábulo é um espetáculo da palavra. O texto guarda uma enorme potencialidade do espetáculo. Certamente é um desafio de corda-bamba ao grupo de teatro encenar e encarar essa responsabilidade. E a consciência sobre isso penumbra a encenação. No meio de um suspiro ouvimos sua máxima: “a palavra resplandece como iluminura do que se foi”. BRAVO!
Cálice!

Stênio Soares (steniosoares@hotmail.com)

Retábulo
De 20 de janeiro à 27 de março de 2011.
De quinta à domingo às 20h
Sábados 18h - 20h
Direção: Luiz Carlos Vasconcelos
Dramaturgia: Luiz Carlos Vasconcelos, Marcio Maciano e Grupo Piollin
Intérpretes: Buda Lira, Everaldo Pontes, Ingrid Trigueiro, Luana Lima, Naneno Lira, Servilio de Holanda, Soia Lira e Suzy Lopes.

Sobre o Reatábulo por Cristiane Barreto

                 Depois de muitos anos sem ver o Piollin em cena (não vi A Gaivota) e ainda pairando na minha memória visual e emotiva (risos) o Vau da Sarapalha (vi umas cinco vezes entre 93 a 95 aqui em Salvador). Fiquei muito feliz em revê-los em Retábulo, no Teatro Vila Velha, aqui em Salvador.
               
Retábulo traz a marca do Piollin e da direção de Luiz Carlos Vasconcelos: o corpo e voz, imagens, o cuidado estético e o ator no centro de tudo. Uma poética da narrativa, algo muito próximo do que é abordado atualmente pelo Pós-dramático de Hans Thies Lehmann, existe um texto, mas o que importa é o que o encenador faz dele. A presença do coro, o desdobramento dos atores em narradores, também é uma característica citada por Lehmann como sendo uma possibilidade do teatro Pós- dramático. Sinto que falta um equilíbrio na dramaturgia da adaptação entre a narrativa do coro e dos personagens com as cenas. Em muitos momentos as imagens me atraíram mais do que a narrativa. Também acho que o coro podia, mesmo com unidade, buscar diferentes maneiras de falar suas narrativas, a função do coro desde sua origem é do inconsciente coletivo, apontar, criticar, satirizar, ironizar, anteceder algum fato, etc. Enfim, muito feliz em revê-los e também pela adição de novos atores ao grupo.

Sucesso sempre e muita luz iluminando as escolhas e os caminhos de vocês!

Cristiane Barreto
Arte-educadora e diretora teatral
Salvador - BA

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Temporada em João Pessoa



Sobre Retábulo por Daniel Guerra

            É  um espetáculo radical pois existe ali a escolha de algum extremo que ainda não se consegue sondar.  
            Como acontecimento, como relação entre seres, é estranho: essa maneira seca de agir dentro daqueles quadrados de madeira, formando imagens como num jogo de tabuleiro e depois desfazendo-as. É também desumana a forma de dizer o texto, as palavras páiram entre o cruel, a ironia e a displicência com o narrado, não sei se por uma displicência real de todos os atores (o que acho difícil) ou por uma radicalidade estética vinda de fora. Na verdade essa forma de agir dos atores tornou tudo muito sombrio, digo sombrio para falar dessa penumbra que não dá um limite preciso ao que quer que seja, que torna tudo incerto, indefinível. Os personagens não respiram, não transpiram, parecem os fantasmas do Nô mas sem o brilho da máscara, da roupa ou da voz. Posso dizer que existe apenas um personagem no espetáculo, mas eu nunca vi o corpo dele, deve ser um corpo feito de sombra, deve ser um duplo de todos os atores, um duplo que os manipula. Por isso, a única respiração que existe é a dele, uma respiração Una que liga os corpos, o que faz com que a atmosfera vaporize ou se torne aquosa, e isso dificulta a nossa respiração, assim como não se respira bem numa sala cheia de vapor, ou então numa sauna (onde se tem a sensação de relaxamento excessivo chegando a uma espécie de sono), mas por outro lado cria um outro Tempo que nos rodeia e outra forma de estar no espaço.
            A música, associada à essa movimentação, a essa respiração e a esse tempo me induziu a imagens cósmicas, essas de galáxias girando e suas órbitas desenhadas e aqueles desenhos alquimistas onde as coisas são sempre muito misteriosas, insondáveis.
            Não posso destacar claramente os afetos que vivi ao assistir o espetáculo, mas posso dizer que assisti a tudo com os olhos apaixonados de um biólogo que vê uma espécie estranha, e isso não é nem de longe ruim já que me abre outras rotas de percepção de mundo e dessa forma outras formas de sentir, e talvez por isso mesmo é que não possa falar sobre meus sentimentos, sendo todos novos e sem nome. Eu acredito nessas coisas porque não acredito nessa forma corrente de se encarar a vida: automática, complacente, conciliatória. Dessa forma, não o vejo como um espetáculo para quem quer sentir igual, mas para quem se arrisca a sentir diferente. É um baque seco, e quem quiser que o ouça, assim como eu quase não ouvi, mas senti a vibração final quando fiquei só junto com todos no cemitério e a luz apagou com um blam do instrumento estranho.


Abraços,
Daniel Guerra
Formado em Direção Teatral pela UFBA
Diretor Artístico do Grupo Alvenaria de Teatro

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Retábulo em Salvador



                                                 
                                                                                                                        Foto: Crisna Prisna
Nossa terceira temporada foi a capital soteropolitana. Que todas as noites lotou o Teatro Vila Velha, palco de grandes realizações teatrais. Com o espetáculo mais proximo do seu formato de encenação. Mais proximos do objetivo desejado pelo diretor Luíz Carlos Vasconcelos ou pelo menos, com o Grupo compeendendo e se apropriando mais de tal encenação. Nos apresentamos de sexta-feira, 07 a terça-feira, 11 de janeiro.
Obrigada a Bahia de todos os Santos pela acolhida carinhosa.
Obrigada a toda equipe do Teatro Vilha Velha sempre presente no que foi necessário.
Obrigada muito especial a produção local de Selma Santos e sua equipe (Helena, Natália e Alê)
As fotos de Crisna Prisna.
E obrigada a Daniel Guerra por suas palavras postadas à cima.