segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

PALINDRÔMICO RETÁBULO PELO PIOLLIN



Foto: Lays Amaro

“As estrelas cadentes e as que permanecem, bólidos, cometas que atravesam o espaço como répteis, grandes nebulosas, rios de fogo e de magnitude, as ordenadas aglomerações, o espaço desdobrado, as amplidões refletidas nos espelhos do Tempo, o Sol e os planetas, nossa Lua e suas quatro fases, tudo medido pela invisível balança, com o pólen num prato, no outro as constelações, e que regula, com a mesma certeza, a distância, a vertigem, o peso e os números.” (Lins, Osman. Retábulo de Santa Joana Carolina)

Passado um mês desde que assisti a Retábulo do Piollin Grupo de Teatro em Salvador, resolvi retormar os trabalhos aqui no blog falando deste espetáculo. Normalmente escrevo sobre a peça assim que chego em casa, após a sessão, para aproveitar ainda o frescor das sensações. Desta vez fiz diferente. Afinal foram sensações que ainda ecoam em mim por se tratar de algo muito particular. Ainda escuto, por exemplo, como se fosse ontem, o coro a recitar o citado trecho acima (que abre a peça)

Cresci ouvindo falar do Piollin Grupo de Teatro, todas as pessoas as quais conheço que assistiram Vau da Sarapalha, falam desta peça com profundo envolvimento, relatando terem marcado suas vidas. Não sei se é o caso de Retábulo em mim, afinal a experiência foi recente, mas posso afirmar que o impacto foi grande. Muito embora tenha nascido e crescido em Igarassu-PE (que fica há 96 km de João Pessoa, ou seja 1h15 min. aproximadamente) os vi pela primeira vez.

Uma encenação muito a frente do teatro em voga (não que haja homogeneidade na cena contemporânea), marcada pelo cuidado estético com todo o rigor matemático tão caro a Osman Lins, que em Avalovara chega ao extremo de contar os versos que cada parágrafo deve ter.

A movimentação do coro sob o cenário palindrômico somada à música do espetáculo é o que mais nos chama atenção. São partituras muito bem cuidadas, geometricamente articuladas e divididas em cada um dos vinte e cinco quadrados. Oito atores que durante os doze mistérios mergulham no universo osmaniano com toda a profundidade e maturidade necessárias a quem se debruça sob uma pesquisa cênica instigante acerca de um universo hermético, mágico e rigoroso (que é o osmaniano) numa estética muito particular do grupo.
A história de Joana Carolina, não se entrega assim facilmente, mesmo na narrativa de Osman, que codifica os personagens através de símbolos que nos obriga quando lendo o Retábulo de Santa Joana Carolina a retornar muitas vezes a mistérios anteriores e ligar os fatos. Mesmo na cena, por muitas vezes nos confundimos um pouco com o texto do autor de a Rainha dos Cárceres da Grécia.

Aos espectadores que buscam sentimentalidades, talvez fiquem as frustrações. A encarnação daqueles personagens (quando não de um único por todos) é muito ‘seca’, com marcada precisão. As intervenções narrador-mostrador nos coloca num lugar não-confortável de passividade. E não falo de um teatro dialético do passado, falo de novas possibilidades, de um teatro dialógico, contemporâneo, diria ainda pós-dramático. A beleza do regionalismo presente no sotaque, na paisagem da história de Joana contrasta com a rigorosa estrutura das cenas, o que gera um resultado muito bacana. Estranho, porém belo. É poético o espetáculo. A sombra da morte que ronda a história nos une e nos distancia daqueles seres.

Sucesso ao Retábulo (que o grupo diz estar em construção) e vida longa ao Piollin.

Eduardo Machado

Por Ronaldo Monte

Foto: Lays Amaro

            Determinados eventos têm o poder de nos transformar de uma maneira irreversível. Não estou falando dos escândalos da paixão nem das agonias da morte, casos extremos e inevitáveis em nossa condição de viventes. Não me refiro tampouco aos fenômenos naturais, enchentes, furacões, tsunamis, nem aos desastres ambientais. Falo de acontecimentos mais sutis, que nos pegam de surpresa em certos momentos da vida. Pode ser um encontro com algum desconhecido, ou a revelação de uma qualidade nova em algum velho amigo. Você tem um colega de trabalho que vive uma vidinha de nada. De repente, ele senta num piano e toca uma sonata de Chopin. Eis um pequeno exemplo de espanto.
Existe outro tipo de acontecimento menos gratuito. É aquele que você vai procurar sem saber muito bem o que irá encontrar. Pode ser a releitura de um parágrafo de um livro que você já leu muitas vezes. Naquele exato momento, duas ou três linhas ganham um significado novo que você nunca imaginou que estivesse ali. Outras vezes é o impacto de uma música que ouvimos pela primeira vez. Pode ser também o detalhe de um quadro conhecido, mas que se mostra totalmente outro quando o vemos diretamente na parede de um museu.
Estou falando disso tudo, para chegar a uma experiência perturbadora a que me submeti no último domingo: Retábulo. O mais novo experimento cênico do Grupo de Teatro Piollin. O trabalho é uma tentativa de responder a um desafio fundamental para o teatro contemporâneo: construir, para o público de hoje, narrativas cênicas que possam, realmente, ultrapassar os limites do convencional. A resposta do Piollin foi dada a partir do texto rigoroso de Osman Lins para instaurar, nas palavras do diretor Luiz Carlos Vasconcelos , “uma cena também rigorosa, apoiada simultaneamente na poesia da palavra e do corpo em ação”.
Retábulo não é uma peça para se assistir. É uma experiência para se viver. Mergulhar com todos os sentidos e sair dela com todos os sentidos afetados pela novidade do acontecimento. E a partir daí, encontrar novos sentidos nas pequenas coisas do cotidiano.

Ronaldo Monte
Poeta, escritor, psicanalista e professor.

O país inventado por Sidney Azevedo

O país inventado - Antônio Dias

Boa noite querido Luiz, tive que sair logo que a peça terminou, não fiquei para os comentários, mas veja só, eu iria falar que, existe um trabalho icônico de um dos mais importantes artistas brasileiros, paraíbano, de nome Antônio Dias, homônimo de um personagem do Retábulo... por coincidência... que é justamente também utilizando vara de bambu, um longo caniço como estes que você utiliza sabiamente no espetáculo, segue em anexo uma imagem. deste trabalho chama-se "O país inventado". consiste numa bandeira vermelha, faltando um pedaço dela, pendendo na ponta da vara, que é sempre montada em espaços diferentes, no ângulo próximo ao de quem está pescando algo... neste trabalho Antônio Dias discute questões pertinentes aos conceitos de território e pertencimento do "eu" no mundo, na transcendência dos limites, diante da perda ou libertação do referente convencional dado pela imagem de uma bandeira sem brasão ou qualquer slogan... enfim, é só uma curiosidade pra vc, pois é ele um artista nordestino, e sua vara é de bambu...rrs...não de qualquer outro material, o bambu é flexível e oco, interessante como matéria e como signo... Sempre que vejo o Retábulo me vem algo diferente, hoje percebi que os atos e os atores estão mais sincronizados, em todo... e percebi também que os figurinos precisam ser lavados... rs...
São atores fantásticos, todos, e o som que Luana está fazendo é muito bom, no tempo e intensidade!
Parabéns Luiz, a todos(as)

Abracadabra!

Sidney Azevedo
Artísta plástico

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

CRÍTICA por ASTIER BASÍLIO

PIOLLIN EXIBE SEU POEMA CÊNICO
Espetáculo consegue a convergência do ambiente como expressão dramática
[CORREIO DA PARAÍBA, Sábado, 05 de fevereiro de 2011]

Astier Basílio

            Em Retábulo, adaptação de uma novela de Osman Lins, Luiz Carlos Vasconcelos conseguiu o que só ensejou em Vau da Sarapalha: que o cenário convergisse como expressão dramática.
            Quando a narrativa da professora Joana, explorada pelos senhores de terra por onde passa, vai se apertando ante à máquina do mundo impiedosa, os bambus, que pontuam o tatame retangular do cenário, dando uma ambiência de zona da mata, simplesmente, se entortam – até que no instante final, quando a estória se fecha e acompanhamos a procissão com os mortos, perfazem uma cúpula, um contraponto imagética com o chão recortado. Em Vau Luiz queria que, no mergulho da febre dos primos, o cenário todo tremesse – façanha que não se concretizou.
            Como Vau, a presença da música é muito forte e tem uma importância fundamental à narrativa. Agora, em vez da explosão percussiva de Escurinho, temos a inventividade de Luana Lima tocando nas cordas do piano tanto os temas como fazendo sonoplastia.
            Por falar em música, a estrutura do espetáculo pede, em alguns momentos, que o elenco cante. Mesmo que a montagem tenha evoluído muito na utilidade do coro, falta música em cena. Com um elenco com oito atores, arquibancadas, à arena, que valorizam as imagens, também me ressinto da falta de coreografias, de dança. É como se o andamento do espetáculo pedisse algo assim.
            A novidade é que Servilio de Holanda, cuja performance como o cachorro Jiló o marcou como ator de potencialidade física, demonstrou habilidade além do que se esperava dele. Trouxe para a cena os movimentos do cavalo marinho. Não dá, por conta do espaço, para detalhar todas as atuações individualmente, mas vale a pena destacar Suzy Lopes, sem dúvida em seu maior papel, interpretando três personagens e sabendo encontrar o tom certo para cada uma delas.
            Destaque ainda para as cenas simultâneas, em que Everaldo Pontes e Servilio, Ingrid Trigueiro e Suzy interpretam os mesmos personagens. Em uma das cenas mais ousadas do ponto de vista de linguagem, temos Soia Lira narrando uma ação e ao fundo o assunto de sua narrativa dramatizado, com os atores falando em voz baixa. Teria que reparar que para maior efeito, que uma ou outra palavra se deixasse escapar para o público – a informação de que o fazendeiro só empresta o seu carro de bois se Joana dormir com ele tem que ser verbalizada. Sem se saber disso, o desenho de cena com a queda de Servilio aos pés de Suzy, de grande poder visual, se esvazia de sentido. Mas a Piollin conseguiu com Retábulo o seu poema cênico.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Wagner Moura tentando falar sobre o Grupo.


Quando estavamos em cartaz no Teatro Vila Velha em Salvador, vários amigos foram nos prestigiar, um deles foi o ator Wagner Moura que muito falou sobre o espetáculo e suas sensações, no vídeo ele tentava falar sobre o respeito que tem pelo Grupo Piollin, mas Everaldo não deixou! Mas valeu Wagner, a gente entendeu o que você estava querendo dizer.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Gotas fundamentais.

O elemento principal do teatro é o ator, encenação e texto (forma e conteúdo) não são nada sem ele. Retábulo tem tudo pra exorcizar e superar esteticamente o Vau, mas somente eles, os atores, poderam dar esse salto, a última palavra é deles. Salve o Piollin!! Vida longa ao Retábulo!!

Daniel Araújo
Ator do Coletivo Alfenin - PB

.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.


Como é bom ver vocês!! Vi ontem no Barracão Clowns e quero ver as vezes que possível, quero seguir nessa experiência, nessas descobertas de vocês. Vida longa ao trabalho, a paixão de viver a cena. Bom demais ver vocês trabalhando, pesquisando, inquietos. Bom demais ver vocês!!! Parabéns!


Titina
Atriz dos Clowns de Shakespeare- RN


.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.


Ave Piollin!

Estive ontem no Barracão dos Clowns, e depois na conversa, tão próxima e tão fértil. Venho apenas dizer de como foi bom, mais uma vez, ver vocês em cena, perfeitos, entregues, assombrosamente refazendo o caminho que vai da vida à morte, e que é o caminho próprio do teatro. Vida longa e saúde a todos, ao espetáculo e ao grupo. Parabéns!



Mariano Tavares - RN


.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*.*..*.*.*.*.


Assunto: Sobre Retábulo
Ontem não lhe disse sobre Retábulo, mas aproveito esse veículo pra dizer: A peça melhorou sensivelmente. E qdo falo "sensivelmente" essa palavra expõe seu sentido literal. Está chegando, aos olhos, aos ouvidos, à pele, a poesia toca. Assisti ao primeiro ensaio no ano passado e ontem senti que tudo está mais fluido, a trama dramatúrgica mais bem costurada, mesmo em um texto tão denso, tão poético, comunica, chega mais agora. Ficou também mais claro o vaivem do enredo, a simultaneidade passado-presente-futuro, a dança compartilhada de personagens; e as imagens saltam mais aos olhos. Por sinal, belíssimas imagens: o chão do cemitério feito com as malas, as imagens corporais riquíssimas, o carnaval, o desenho cênico, etc. A cenografia e a sonoplastia muito valiosas também, compõem de forma muito concatenada o todo. Admiro sua sagacidade e persistência. Acho que se o teatro não é bombom, é então chiclete que, como diria Clarice Lispector, é coisa que se mastiga a vida inteira, tem gosto de eternidade. 

Um abraço!
 
Pollyana Barros
Atriz paraibana

TEATRO NÃO É BOMBOM


           Em 1998, em Belo Horizonte, durante o Encontro Mundial das Artes Cênicas  ECUM, tomei conhecimento, através da palestra da profesora Leni de Freitas, do processo de rigorosa construção do romance AVALOVARA de Osman Lins, apoiada também, no rigor de outra construção, o poema latino de cinco palavras, cada qual composta de cinco letras: SATOR, AREPO, TENET, OPERA, ROTAS. O poema é apresentado com as palabras sobrepostas umas as outras formando um quadrado de 5x5, com vinte e cinco quadrados menores, cada um contendo uma das letra daquelas palabras, todas  palindrômicas, ou seja: que podem ser lidas da direita para a esquerda, da esquerda para a direita, de cima para baixo e de baixo para cima, mantendo sempre o mesmo sentido “O lavrador sustem cuidadosamente a charrua nos sulcos” ou, “O lavrador sustem cuidadosamente o mundo em sua órbita”. Criador e criação é dimensão humana e dimensão Divina.
          Partindo da estrutura deste quadrado e sobrepondo a ele o traçado de uma espiral que vai tocando sucesivamente as letra, e cada uma destas correspondendo a uma linha da narrativa do romance, num total de oito narrativas, Osman Lins constroi sua ficção multefacetada, dentro de um esquema rigoroso e fascinante para o leitor.
          Desde então venho estudando as estruturas, tanto as existentes na naturesa quanto as urdidas pela criatividade humana, como no caso da obra de Osman Lins, na tentativa de responder as questões nascidas durante aquele evento na capital mineira: É possível também a construção cênica se apoiar em estruturas rigorosas pré-existentes, neste caso específico, na estrutura do poema SATOR? Ou:  é possível uma cena palindrômica, digo: reversa e simultânea, que tenta refletir em si, na maneira como se estrutura, a ordem e a desordem existente no mundo? Como utilizar estas estruturas e seus trajetos mágicos para narrar no teatro?
Entendo que esta questão, sobre a maneira de narrar, é a questão fundamental da cena atual. Como construir, para o público de hoje, narrativas cênicas que possam realmente, instaurar no teatro o não convencional? A encenação do Piollin Grupo de Teatro  tenta dialogar  com as proposituras narrativas osmanianas, tentando instaurar uma cena também rigorosa, apoiada simultaneamente na poesia da palavra e do corpo em ação.
             Oito atores trabalham sobre o, agora tabuleiro, do poema SATOR/ROTAS, seus trajetos simultâneos e reversos. Uma narrativa circular e fragmentada onde as partes se misturam para compor uma unidade, como num retábulo.

Parafraseando Osman Lins podemos dizer "Teatro não é bombom que se suga displicentemente."

Luiz Carlos Vasconcelos
Diretor do Retábulo