sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

“A palavra resplandece como iluminura do que se foi”


                         Quadros cênicos. Movimentos cíclicos marcadores de tempo. Ritmo hipnótico e variado. Surgem sensações adversas instigadas por uma dramaturgia que tenciona deixar de ser contemplativa. Retábulo, a nova obra do Piollin Grupo de Teatro, investe em jogos de semiótica que aliam cena e texto.
                        Espero construir um pensamento a partir do que eu senti ao invés de fazer uma crítica analítica, que detalha um dignóstico. Detenho-me tão somente aos elementos usados na construção da encenação, enquanto códigos de um processo que fala por si só. Leio essa recente construção da Piollin a partir os elementos que mais me afetaram os sentidos e me provocaram uma experiência de pensamento.
Verso e reverso. Sem sombra de dúvidas, a dramaturgia e a encenação são resultados de um trabalho similar ao de um ourives. Tomar um texto denso, uma narrativa literária, transpor em cena é um ofício que requer ler imagens sentindo-as, transformando palavras em atos. Isso é estrutural. Heidegger já indicava que o caráter da arte (pensamento, sentido) está para além do suporte material (a pintura pré-existe a tinta). Perceber sentimentos e motivações na literatura faz parte da experiência de ler, enquanto transpor cenicamente essa experiência da leitura faz parte de um exercício de interpretação de uma experiência, traduzindo-a para outro suporte. São elementos da encenação, notavelmente os quadros cênicos (quase imagens fotográficas), que revelam intenções de mostrar (ou ver) o invisível. O resultado de cada quadro cênico, completo na forma, com os atores, adereços cenográficos e iluminação, revela a necessidade quase homérica de traduzir o sensível no palco. Assim, parece-me que Luiz Carlos Vasconcelos lapida a cena com os atores, estudando a respiração dos corpos com a velocidade da iluminação cênica, realizando um teatro tão próximo de características das artes visuais. E esse método flerta com genialidade do concretismo. Os momentos mais evidentes dessa interdisciplinaridade artística são fotografias, quadros congelados de instantes cênicos, ou ainda na explícita construção de uma instalação de blocos (malas em formato de paralelepípedos) que desenha uma cenografia, motivando uma nova percepção sobre o espaço. Nesse sentido, percebo nessa montagem do Piollin Grupo de Teatro, assim como no seu conterrâneo-caçula, o Coletivo Alfenim, que a criação cênica na Paraíba caminha cada vez mais para a incorporação de elementos das artes visuais, com evidente intervenção estética da arte contemporânea, resultando formas artísticas próximas àquelas conhecidas como interdisciplinares. Isso quer dizer que as soluções elaboradas na criação cênica propõem uma relação de interação e intercâmbio de conceitos (e métodos) de artes que se diferenciaram com a modernidade (teatro, artes visuais, cinema, música, arquitetura, esta última que se resolve nas artes cênicas a partir da cenografia).
                        Retábulo também é um convite à experiência de um tempo diferente. Afirmei no início do texto algo que aparentemente pode soar paradoxal: o espetáculo é hipnótico e variado. Certamente, os deslocamentos e o coro dos atores na cena, aliados à sonoplastia multiinstrumental, remetem aos movimentos cíclicos e circulares, com o início similar ao fim, como em uma freqüência que instantaneamente é rompida para dar lugar a uma nova série de movimentos cíclicos e circulares. É variado dentro dessa perspectiva do ir e vir, e acredito que isso guarda algo de hipnótico no espetáculo. E, embora o espectador se perceba envolvido à pura contemplação no meio da dramaturgia, ainda surgem os despertares para outros planos e realidades, como um termômetro da consciência sobre a ficção.
O coro enquanto “personagem coletiva”, ou elemento dialógico da cena, pode ser repensado. É uma solução formidável quando o ritmo, o tom e a clareza da fala são homogêneos entre os oradores. É um risco gigantesco quando executado em um tablado de madeira com o eco das batidas dos pés do atores. Esse elemento, dentro da proposta narrativa e dramática do Retábulo, pode suscitar uma revisão moderna do gênero drama. Vamos ver.
                        Por fim, comentava com o amigo Daniel Araújo, que Retábulo é um espetáculo da palavra. O texto guarda uma enorme potencialidade do espetáculo. Certamente é um desafio de corda-bamba ao grupo de teatro encenar e encarar essa responsabilidade. E a consciência sobre isso penumbra a encenação. No meio de um suspiro ouvimos sua máxima: “a palavra resplandece como iluminura do que se foi”. BRAVO!
Cálice!

Stênio Soares (steniosoares@hotmail.com)

Retábulo
De 20 de janeiro à 27 de março de 2011.
De quinta à domingo às 20h
Sábados 18h - 20h
Direção: Luiz Carlos Vasconcelos
Dramaturgia: Luiz Carlos Vasconcelos, Marcio Maciano e Grupo Piollin
Intérpretes: Buda Lira, Everaldo Pontes, Ingrid Trigueiro, Luana Lima, Naneno Lira, Servilio de Holanda, Soia Lira e Suzy Lopes.

Um comentário:

  1. o elemento principal do teatro é o ator, encenação e texto (forma e conteúdo) não são nada sem ele. Retábulo tem tudo pra exorcizar e superar esteticamente o Vau, mas somente eles, os atores, poderam dar esse salto, a última palavra é deles. Salve o Piollin!! Vida longa ao Retábulo!!

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